quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Confissões de um soldado sem glórias


A guerra acabou, lutei por meses pelo meu país sem entender bem o que estava fazendo ali. Da guerra pouco sobrou. Fizemos um grande estrago. De lá guardo cicatrizes, sequelas e traumas. Trouxe também histórias aumentadas e alguns amigos sobreviventes de luta que fiz nos momentos de sobriedade. Não sei bem o que é feito deles agora.

No campo de batalha, lutei crendo que lá nossa luta era necessária para a paz. Trazia em mim a esperança de que não haveria mais guerra. Inocente e ingênuo. Acreditei que não havia interesses econômicos. Desde que percebi a verdade, carrego comigo o peso de ter matado por dinheiro movido pela energia patriótica de defesa do meu país. Vejo que fui um bom parafuso num vasto maquinário produtor de dinheiro para gente de poder. 

Agora é tarde. O que eu penso não muda nada. Por que só fui começar a pensar agora? Quando fui pra guerra tinha acabado de casar, só queria dinheiro para os tradicionais gastos de família. Lembro-me da pureza de meus pensamentos iniciais da adolescência. Foram os mesmos que me motivaram a iniciar a carreira militar. Tinha algo ligado com aquela idéia de desenhos animados de que o bem tem que lutar contra o mal. Onde será que perdi esses ideais? Às vezes acho que ao nascermos já trazemos conosco o kit de itens básico pra ser um bom homem. A questão é que depois de um tempo a gente deixa alguns itens do kit de lado por pensar ser besteira. Comigo a lavagem mental foi rápida e impiedosa. O fato é que depois de algum tempo como militar eu só obedecia ordens. A única noção de certo ou errado que tinha era a de que seguir ordens e estatutos era o certo, independente do porquê. Não era necessário saber o fim real do que estávamos fazendo. Bastava obedecer a hierarquia incontestável do sistema que tudo se tornava do bem. Isso me bastava na minha sábia ignorância, afinal de contas, eu era um bom soldado, ganhei muitas medalhas e condecorações. São todas muito bonitas, porém não trazem de volta as vidas que se foram. Agora não mais posso fazer nada, a não ser compartilhar os fantasmas que me atormentam. Torço para que os novos combatentes possam entender minha mensagem a tempo. E esse é o pouco que me resta de uma vida sem glórias.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

"Mas me diga só o que for bom"



Conte-me sobre ti, como andas e o que fazes. Mas me diga só o que for bom. A vida já é tão dura por si só, por isso hoje só quero saber de coisas boas. Fale-me de balões coloridos e grama fresca. O quinhão ruim da vida já costuma saltar aos olhos sempre, já tem força por si só, não precisa de ninguém que o alimente falando sobre tempestades. Encha meus olhos de alegria, mate minha sede por brincadeiras, flores e amores. Transforme o que tiveres para me contar em sorriso. Faça a forte chuva virar orvalho cheiroso. Todo mundo sabe que é só questão de ponto de vista. Hoje quero rir do copo quebrado e do leite derramado. Cansei de conversas carrancudas e de sentimentos pesados, cansei de ser sério quando não precisa. Deixei a seriedade só para o inevitável do acaso.

E não se esqueça de me fazer rir, por favor. Preciso de energia. Não me sugue com rancores e tristezas. Quero viver no confortável Sol de uma manhã de outono, sentindo a brisa leve de um sorriso sincero. Nas inevitáveis noites escuras quero que me conte o suficiente para conseguir enxergar o brilho das estrelas. Sei que assim o escuro não tarda a passar.

Fale mais, não pare tão cedo, tenho medo do silêncio mórbido. Divida tudo comigo, por favor. Partilhe sonhos, já que os pesadelos podemos transformar em algodão doce juntos num banco de um parque de diversões. Mas te peço que, por favor, não transforme tudo isso num grande livro de auto-ajuda. Conte-me por flores os rancores. Não me explique o que preciso, apenas destrua o que pesa em mim com brisas espontâneas e alegres.

Faça de tudo, mas não me iluda. Não quero máscaras de carnaval. A quarta-feira de cinzas não tarda em chegar. Troco isso pelo nariz vermelho com um sorriso sincero pintado no desenrolar da rotina. Quero sentir seu cheiro de verdade alegre numa importante reunião de negócios.

Estou à espera do que há de melhor na vida. Fale-me mais sobre isso. Coisas ruins já aparecem mesmo quando a gente não as espera, imagine se eu ousasse esperá-las. Quero abrir a janela e deixar a luz entrar. Não costumo me sair bem no escuro, me perco fácil. Por isso deixo sempre acesa a lamparina do meu abajur nas noites mais escuras. Só espero poder contar contigo quando a lâmpada não mais funcionar. 
Texto cotado em 2º lugar no Projeto Bloínques (94ª edição musical)

sábado, 12 de novembro de 2011

Transcrições


  ÍTACA
Konstantinos Kaváfis
(Trad.
José Paulo Paes)
 
Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrará
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.
 
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda a espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.

  Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.

  Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

"tempo amigo, seja legal, conto contigo"


Aos meus escassos leitores entediados aviso que não abandonei o blog, mas vou postar com intervalos maiores tendo em vista o tradicional caos de provas e exigências universitárias de final de ano. É difícil tentar ser alguém que presta na vida, sair da zona de conforto exige dedicação e tempo, sem contar que não posso esquecer de reservar um tempo pra não fazer nada, não consigo viver sem isso. Graças a Deus tudo se torna mais fácil quando se está na companhia de pessoas legais, com destaque a uma menina especial que sempre me apoiou e que agora, com prazer e carinho, dedico momentos valiosos do meu tempo.